Matéria comigo para o site Brasilstation. Acompanhe.

Para você que é fã de videogames e que também gosta de ler um bom livro, que tal juntar os dois hobbies numa coisa só? Para falar de forma séria sobre essa área do entretenimento que tanto gostamos, Daniel Gularte escreveu o livro “Jogos Eletrônicos: 50 Anos de Interação e Diversão”. Ele conta a evolução dos consoles, portáteis e computadores passando pela “evolução” do jogador e como suas motivações para jogar são mais complexas do que parecem ser à primeira vista. Daniel é arquiteto, designer digital, professor e é cheio de projetos de mídias digitais e comunicação visual e apaixonado por games. Então, confira a entrevista super bacana com ele.
RENAN BARRETO: Como você descobriu os jogos eletrônicos?
DANIEL GULARTE: Desde muito pequeno. Tive contato com a primeira geração dos videogames com um Telejogo, presente de um tio que tinha viajado para o Rio de Janeiro e trouxe a novidade, creio. Era o final da década de 70, tinha uns quatro anos de idade. Foi o meu primeiro videogame.
RB: O que te motivou a transformar um “hobby” num trabalho tão completo quanto o seu livro?
DG: Quando criança eu pensava que tudo era magia. Como carros, animais e monstros fantásticos saíam de uma caixa tão pequena, passavam por fios mais finos ainda e apareciam na televisão? Esta curiosidade foi a força motriz de tudo. Após descobrir que o Papai Noel era o meu pai e que tudo não passava de instruções eletrônicas, a vida da gente muda completamente, sabe? E não parei de pesquisar sobre jogos eletrônicos. É fascinante como isso se tornou uma cultura, e também uma expressão social. Daí me tornei colecionador e pesquisador.
RB: No livro você fala sobre a história dos games. Houve também uma mudança de comportamento dos jogadores com o passar das gerações de consoles?
DG: Certamente. Costumo dizer que os jogadores estão um pouco mais preguiçosos. Não por eles, mas pelo mercado. Antigamente os jogadores tinham que imaginar muito mais do que o jogo poderia mostrar para eles. É como se você estivesse lendo um livro. Hoje tudo é tão perfeito e se mistura tanto com a realidade que o exercício da criatividade fica disperso às experiências sensórios-motoras. Não haviam também recursos como salvar o jogo a cada minuto, ou ter super códigos que o deixam invulnerável durante uma partida. A turma encarava o desafio com muito mais desejo, e fazia-se de tudo para ver o letreiro final do jogo. Os jogos de hoje possuem uma introdução maior do que o seu final. Creio que a geração de hoje já esteja acostumada com esta frustração, e vive o momento. Por isso é muito bom que as pessoas saibam da história dos games e de suas contribuições para o Game Design.
RB: O que um jogo precisa ter para você considerá-lo bom?
DG: Um jogo precisa ter as seguintes características básicas: um objetivo, onde o jogo, regido por suas regras, geram um desafio, cujo foco do jogador promove seu divertimento. Em resumo um jogo bom deve ter esses ingredientes: objetivo, regras, desafio e foco. Pode até parecer óbvio demais, mas pare pra pensar em um jogo que você gosta. Se for difícil achar esses ingredientes básicos, pode ser que este jogo não seja tão bom. E quanto mais simples melhor. Veja o jogo Super Mario Bros. do Nintendinho: objetivo – salvar a princesa; regras – não cair em buracos e desviar de inimigos; desafio – superar os obstáculos; foco – pular! Esta receita foi usada por centenas de jogos de sua época, e está se renovando, não se engane.
RB: Você fala sobre as motivações que leva uma pessoa jogar. Uma delas é a socialização, o que vai na contramão do que muitas pessoas imaginam. Conta um pouco para gente a respeito disso.
DG: Jogo é uma atividade social. Existem os participantes, espectadores e colaboradores. direta ou indiretamenteestes atores estão participando do jogo em si. No futebol, nas competições, e nos jogos eletrônicos. Com a afirmação da cultura dos games e as novas formas de interagir com a máquina, os jogos se beneficiam da sociabilização para trazer mais imersão no jogo. Chats, ações do dia a dia (como cumprimentar, beijar e abraçar) promovem um estreitamento das realizações do personagem do jogo e de seu controlador. A fórmula é simples: quanto mais conectado à realidade subjetiva o jogador estiver, mais fácil colocar nele o propósito do seu jogo.
RB: Os jogos online têm a mesma lógica dos games offline?
DG: Depende da lógica que estamos falando. Pelo pilar da tecnologia, certamente é diferente, pois necessista de infra-estrutura e arquitetura diferenciada. Perpassando pelo pilar do artístico, não muda: haverá sempre cenários, roteiros e personagens. Seu jogo sendo offline ou não, ele pode ter todos os recursos e estimular todas as motivações. O segredo está em suas regras. Por exemplo: os jogos de dança promovem muito mais sociabilização do que os MMOs por aí. O primeiro promove o contato direto com as pessoas e é offline. O segundo necessita da estrutura de rede para poder promover suas ações sociais. E isto ocorre com praticamente todos os outros jogos, em diversas camadas motivacionais.
RB: Como você vê a mudança de estilo de Resident Evil? É mais uma mudança de comportamento dos jogadores como disse há pouco ou é mais uma estratégia da Capcom?
DG: Tenho certeza que a Capcom está sabendo usar bem seu nome para promover a franquia Resident Evil. Sabemos que os personagens, as marcas das empresas e os signos culturais são fatores motivacionais externos, e que os jogadores ficam os dedos formigando para testar um novo jogo. Tenho certeza que se um novo Resident Evil usase o mesmo estilo dos modelos anteriores, seria um sucesso da mesma forma. Estamos trabalhando com jogos prateleira: você compra antes e se arrepende depois! Eu vejo como um risco necessário. E os orientais e os ocidentais já deram muitos “socos em ponta de faca” quando o assunto é inovação. Eles são experientes e estudam o que o seu público gosta.
RB: O fator novidade é mais importante do que os outros quesitos num game?
DG: Imagine uma receita de bolo. Se você quer fazer bolo de laranja, então carrega na laranja. Acontece o mesmo na criação de um jogo eletrônico: você dispõe de vários ingredientes multidisciplinares, características formais e desejos motivacionais. Escolha um que vai dar o tempero do seu jogo e siga em frente, utilizando pitadas dos outros elementos. Jamais use todos em grandes proporções, pois nunca vi receita que prestasse colocando tudo o que você achar pela frente dentro do caldeirão. Temos públicos variados e segmentados, e as vezes confundimos inovação com evolução.
RB: Para fazer sucesso, um game precisa ter gráficos arrasadores e produção milionária?
DG: Claro que não. Jogos como World of Goo não foram dirigidos por super cineastas ou tiveram uma orquestra sinfônica à disposição. Colocando na balança, uma superprodução de 3 milhões que fatura 4 milhões não tem a mesma lucratividade de uma que investe 50 mil e lucra 300 mil. Essa coisa de jogo cosmético segue a mesma disciplina dos filmes: falta conteúdo. E sabemos que podemos utilizar as mídias do momento e fazer boas interatividades com custos comedidos. Pra mim esse mito é do início dos anos 2000. Os tempos são outros.
RB: Como designer, diga para o pessoal que lê o BRASILSTATION sempre, qual jogo tem equilibrio entre design e enredo?
DG: Esta pergunta é uma saia justa para qualquer game designer. São tantos os bons exemplos que escolher apenas um no meio de tantos é até injustiça. Nas minhas aulas eu coloco um exemplo de jogo que consegue, ajustando um pouco a sua pergunta, aliar a arte e a tecnologia, caminhos paradoxos que formam o bom design. O jogo Shadow of the Colossus é uma experiência que consegue trazer imersão, interatividade e divertimento, com foco, desafio e objetivo simples. Usam-se os recursos tecnológicos com muita inteligência, e o comprometimento com o usuário está em cada detalhe. Os jogadores comuns não conseguem, por exemplo, enxergar a beleza de um jogo por ser um jogo. A maioria está acostumada com coisas mais efêmeras. Quando aparece um jogo belo, com design, este sim, poucos podem apreciar sua essência. É uma recomendação que dou a todos que querem conhecer um jogo com design de verdade, não desmerecendo os tantos outros bons jogos em mais de 50 anos de história.
RB: Para terminar, é um prazer tê-lo aqui no nosso espaço. Como última pergunta fale para a galera… Jogar videogame incentiva a leitura e a produção literária?
DG: De forma alguma, pelo menos em primeiro momento. Jogos existem para divertir as pessoas. Ou será que depois de ir ao estádio de futebol surge no jogador ou no torcedor um ímpeto de visitar a biblioteca pública da cidade? Não é para isso que os jogos foram criados, dentro do contexto social humano. E não é diferente com jogos. Os jogos sérios e educativos são acima de tudo jogos. Não adianta ir contra suas características básicas. Agora, se é possivel usar um jogo para despertar determinados desejos dos jogadores (voltando ao assunto motivação), é perfeitamente plausível inserir no contexto de imersão do jogo informação e porque não conhecimento. Assim, o jogador além de exercitar-se mental ou fisicamente, desperta a curiosidade, assim como aconteceu comigo. E é nesta curiosidade que os pais devem se preocupar em trabalhar e incentivar. O prazer e a honra são todas minhas, e desejo a todos os leitores do BRASILSTATION uma boa leitura com meu livro e suas histórias e causos sobre os games.

link da matéria: http://brasilstation.blogspot.com/2010/08/entrevista-daniel-gularte.html