Entrevista concedida à revista Gameworld, uma das maiores do Brasil. Veja na íntegra.

50 anos de games

Por Fernando Souza Filho

Existem bons livros que contam a história dos videogames. Mas a maioria foi escrita por autores estrangeiros, trazem a experiência do que aconteceu lá fora nesse mercado. O delicioso de “Jogos Eletrônicos: 50 Anos de Interação e Diversão” é que ele mostra o nosso lado brasileiro da história, as tardes no fliperama, a coleção de fichas da Taito e clássicos que só nós conhecemos, como “Didi na Mina Encantada”.

Daniel Gularte teve esse cuidado de mostrar o lado brasileiro da evolução dos games, mas ao mesmo tempo apresenta um panorama geral da história dos jogos eletrônicos, pesquisando até o nascimento dos primeiros pinballs da década de 1930. Apesar de escrito em linguagem simples e direta, a obra é bem abrangente a analisa a Era Pong, a Era Atari, as incansáveis tardes nos fliperamas do centro de São Paulo e o manjedouro da pirataria.

Mesmo um tema delicado como a pirataria de jogos é tratada de forma objetiva pelo autor, tornando a leitura leve e divertida. Outra tema denso que Gularte pincela com maestria é a eterna guerra dos consoles, que muda de lado a cada geração de hardwares para game, mas jamais perde sua intensidade.

Gularte é arquiteto, designer e professor universitário. Apaixonado por games desde os anos 1970, ele fala com propriedade do tema, pois já foi mestre de RPG por quatro anos e hoje ministra aulas em cursos de jogos digitais. Por isso, não é estranho que ele levante também a discussão sobre quais são os segredos para se manter um jogador entretido em frente ao monitor por horas. A experiência e a imersão do gamer também são analisadas com propriedade.

Com sua experiência na área acadêmica, Gularte também aborda aspectos importantes do design dos jogos, que podem ter influência direta no sucesso ou no fracaso de um título. Nesse ponto, o livro é quase uma referência de conceitos para desenvolvedores e programadores de games.

A obra tem ainda um aspeto bem diático, apresentando um glossário dos termos comumente usados no mundo dos games e oferecendo um verdadeiro compêndio de todos os jogos citados no livro, com sua produtora e ano de lançamento.


EGW: O livro é resultado de uma pesquisa que você já tinha ou você fez essa pesquisa para a obra?

Daniel Gularte: O livro é o resultado de minha pesquisa de pós-graduação em metodologias de design e engenharia de software para jogos eletrônicos. Por mais acadêmico que o tema possa parecer, fiz questão de estudar a fundo uma paixão minha, que levo comigo desde quando era criança. Consegui unir o útil ao agradável. Comecei a pesquisar material referencial em livros internacionais e nas fontes mais confiáveis possíveis. Ao mesmo tempo, capturei experiências particulares e causos interessantes para compor o material de pesquisa. O resultado foi uma monografia densa. Para um trabalho de pós-graduação, das 350 páginas que escrevi, metade foi removida, justamente para poder gerar este livro. Depois tive mais alguns meses para ajustar a linguagem textual do livro e inserir dados mais recentes, aproveitando para revisar algumas inconsistências, pois cada detalhe do livro foi minuciosamente conferido, para evitar erros de referência bibliográfica.

Que diferenças você vê no modo que os gamers encaravam os jogos nos anos 1970 com o de hoje em dia?

Eu destacaria duas. A primeira é o exercício de abstração dos jogadores das décadas passadas. Imagine, por exemplo, um jogador controlar um quadrado na tela, tendo que interagir com interrogações e asteriscos. Este é o jogo “Tartarugas”, do Odyssey, da Philips. O quadrado é a tartaruga, a interrogação, seus filhotes. Era como se estivesse lendo um livro, onde a imaginação e a criatividade fluiam bastante. As capas dos jogos traziam um universo lúdico, cujo visual não era o mesmo do jogo. Mas, ao mesmo tempo, instigava o jogador a experimentar esta realidade. Hoje, se vê um aspecto cosmético dos jogos que sobrepõe as relações motivacionais que ele promove. O segundo aspecto é a forma interessante do designer de jogos de 30 anos atrás resolver problemas de interação e imersão com tão poucos recursos tecnológicos. Um jogador de Nintendinho [NES de 8-bit], na jornada de “Ninja Gaiden II”, “Battletoads” e “The Simpsons”, demorava dias para mestrar a técnica. Hoje, você consegue, com mediana habilidade, finalizar um game em algumas horas. Inclusive inventam-se recursos para facilitar isso, como salvamento do game, códigos e mais códigos secretos. Eles estão deixando os jogadores mais preguiçosos.

A quem se direciona o livro? Estudantes, estudiosos ou fãs comuns de games?

A todos. Devo dizer que meu livro é um celebração cultural contemporânea. Os estudantes precisam adquirir o repertório de mais de 50 anos de história. Certamente, irá ajudar a compreender aspectos de jogos eletrônicos que estão se perdendo e estão se renovando, através de releituras dos jogos antigos. Para os estudiosos e colecionadores, é um guia referencial, e que deve servir como ponto de partida para muitas outras pesquisas. Afinal, é muita história para contar. Os fãs de games podem descobrir, além de curiosidades, elementos dos jogos eletrônicos que passam por nós despercebidos. Muitos dos títulos de hoje são evoluções dos games de ontem.

O que você anda jogando hoje em dia?

É uma boa pergunta. Quando você se torna game designer, o que você menos faz é jogar. Entretanto, um bom jogador nunca deixa de treinar seus reflexos ou velocidade de raciocínio. Eu jogo com relativa frequência os títulos musicais que usam instrumentos. Sou mediano guitarrista e confesso perder as horas que me restam relembrando os clássicos do rock. Quando estou em família, prefiro interagir com o entretenimento fácil do Wii. E naquelas madrugadas silenciosas, entro no quarto onde guardo minha coleção de videogames, abro uma caixa, ligo a TV de tubo, monto o aparelho e me divirto com alguns minutos de “River Raid”, “Senhor das Trevas”, “Mega Man III”, “Super Metroid” e “Kid Chameleon”. Tudo direto do controle original.

link da matéria:http://www.gameworld.com.br/4422-ARTIGOS-50-anos-de-games